domingo, 3 de fevereiro de 2008

FLAMENCO!!!

O Flamenco é uma arte andaluza, típica dos ciganos da região Sul da Espanha (os chamados do grupo calé ou calon), sua expressão marcante é caracterizada pelo canto, pela melodia e pela dança, elementos esses que trazem em si a amálgama de vários povos que viveram e influenciaram a cultura espanhola: ciganos, judeus e mouros... Vibrante, passional, ardente... Hoje é um ícone da Espanha.

Muito da história de suas origens se perdeu na noite dos tempos, e isso se deve a vários fatores... A queda de Granada se deu em 1492, com a reconquista da cidade pelos reis católicos, que obrigaram todos os mouros a se cristianizarem, sob pena de expulsão. Tanto os mouros, quanto os ciganos (que adentraram a Espanha por volta do século XIII) e os judeus foram muito perseguidos pela Santa Inquisição durante todo o processo de reconquista total. A cultura cigana é ágrafa, tudo é transmitido de forma oral e de uso reservado às famílias, e o estilo musical flamenco sempre era considerado algo pertencente à ralé, executado pelas classes excluídas da sociedade espanhola, portanto, nada se escrevia sobre esse estilo musical, e nem tampouco era considerado arte. Acredita-se que originalmente o flamenco era só o canto (chamado cante), gutural, forte, lamentoso, dolorido, herança dos lamentos dos árabes e de suas orações cantadas... Herança dos mouros perseguidos que cantavam de forma desesperada e hipnótica...Herança dos gitanos que estavam nos cárceres ou em fuga... Ao cante, se juntou o toque, primeiro com palmas para marcar o compasso e depois com violão, la guitarra. A dança (el baile)veio em seguida, ou em conjunto com tudo isso, trazendo consigo o sapateado e os movimentos de braços, as expressões faciais que traduziam a alegria ou a revolta, as castanholas (herança dos címbalos de dedo dos persas) e a percussão.

A história diz que muito do que se tocava de música na Espanha Moura, que era chamada de reino de Al-Andaluz, lembrava em muito o flamenco... Tanto o canto, quanto o toque e a dança trazem em si a marca dos povos ciganos, que deram ao flamenco a cara com o qual ele ficou conhecido entre os outros povos. Inclusive o figurino, com cores berrantes e muito pano, os homens com suas camisas largas e coletes, as mulheres com seus vestidos de lunares e adereços mil. Toda a história da perseguição aos ciganos em terra espanhola se tornou o ritmo flamenco, criado como um protesto, como um grito que sai da alma clamando liberdade, clamando respeito, aceitação! Como um brado de revolta que ecoa... Como o reflexo da dor, mas também da resistência. A dança é altiva, agressiva, é como se os bailarinos estivessem se impondo ao mundo que rechaça e exclui. A própria palavra “flamenco” vem do árabe, e signica “camponês fugitivo”, numa referência clara ao contexto social conturbado onde ele estilo musical e artístico surgiu.

No século XVIII, o flamenco era restrito às gitanerías e tavernas, ou aos acampamentos e festas populares. No início do século XIX, começou a ser apresentado em cafés e nas tabacarias. Começou então a chamada época de ouro do flamenco, que foi mais ou menos de 1870 a 1910. Os dançarinos se tornaram grandes atrações, e os músicos que os acompanhavam, bem como os cantores, ganharam grande destaque também. E assim, o flamenco foi expandindo as fronteiras de Andaluzia e caindo no gosto de outras partes do mundo, dada a sua forte carga emocional e exótica. As migrações também contribuíram para essa difusão.

Apesar de ser herança de povos marginalizados, acabou virando referência de música e cultura espanhola. E nos dias de hoje cresceu tanto que muitas vertentes surgiram, e muitas coisas foram incorporadas no cante, no baile e na instrumentação. Houve fusão da dança com contemporâneo, clássico, jazz... Tudo de modo a valorizar a livre expressão, já que o flamenco é a arte que representa a busca pela liberdade... Ainda hoje, porém, existem os bailaores puristas, que levam na alma e no sangue as marcas de seus antepassados... Ciganos... Que eram perseguidos pelas leis espanholas, e se refugiavam nas grutas... Dentro da arte flamenca, existem variados ritmos, procedentes de regiões diferentes de Andaluzia, alguns são gerais, e transmitem mais a essência cigana... Cada ritmo denota uma forma de expressão diferente, bem como possui marcações musicais distintas. Por exemplo: o tangos é uma dança ardente, que abusa da sensualidade, as letras são temperadas de humor ou passionais. Quando é mais rápido, o tangos é chamado de tanguillo. A soleá é considerada o ritmo-mãe do flamenco, é uma abreviação de soledad, solidão. Os acordes são melancólicos, geralmente traduzem a dor de uma perda. As bullerías são ritmos de festa, com total improviso e interação de músico e bailaor, a palavra vem de burlar... A farruca era dançada nos tempos antigos exclusivamente por homens, é uma dança forte e marcada, o nome dela vem do árabe, e significa valente. As sevillanas são o ritmo tradicional de Sevilla, esse é um ritmo que já fazia parte do antigo folclore andaluz e foi aflamencado pelos ciganos, é dançada em solo ou pares nas feiras populares, é o ritmo mais popular. As alegrías tem um ritmo parecido com a soleá, só que são mais alegres. A zambra é uma herança do tempo dos mouros, é a dança que mistura elementos ciganos e árabes, tem muitas ondulações e transmite a idéia de mistério. A seguiriya é considerada o ritmo mais cigano do flamenco, seus acordes são fortes e doloridos, refletem uma grande melancolia, um desabafo, uma busca pela liberdade maior... E existem variados ritmos, alguns até já perderam na noite dos tempos...

Da mesma forma que ocorre com outras formas artísticas antigas, também acontece no flamenco uma espécie de debate entre o que é inovação e o que é purismo... Afinal, não temos registros consistentes... Muita coisa foi se mudando com o passar dos tempos... Creio que o principal, que também é o imerrodouro, é que o flamenco trata de individualidade. Cada bailaor dança do seu jeito, penso eu que o melhor do flamenco é o improviso, a expressão adequada de cada emoção individual naquele momento. A própria linguagem do flamenco é o que chamamos de “el duende”, que é quando a pessoa se deixa levar pela essência da melodia, e se expressa livremente...Como se estivesse num transe em que seu ser se mescla com a música, como se entrasse em contato com o que anima a melodia... Não estou dizendo aqui que a técnica não seja importante... Muito pelo contrário, é importantíssima, a dança exige preparo físico e muita consciência corporal, é um trabalho muito sério com o corpo, e tem que ser devidamente executada, com cuidados e critérios. E por tratar-se de uma dança étnica, cujas raízes advém dos povos que citamos, é bom conhecer a cultura, para compreender melhor como os antigos se expressavam, e como trazemos isso numa espécie de inconsciente coletivo para os dias de hoje. Já que a essência, “el duende”, é eterno e atemporal. Muito do que se discute hoje acêrca de técnica e improviso acaba cerceando a livre expressão de alma que o flamenco remonta em suas origens. Quem assiste a um baile flamenco sente e observa que a dança tem movimentos fortes, que são fruto de um grande incorformismo, com altos e baixos emocionais... Conforme já disse, é passional. Uma lenda cigana diz que os bailaores já dançam dentro do ventre de suas mães, ao som das batidas do coração dela, e que os sapateados marcam o ritmo das batidas de nosso coração em busca de liberdade; é uma dança vibrante, criada para lutar contra as perseguições... Usada como forma mais pura de expressão... Uma magia. Flamenco não é apenas tocar, ou bailar, ou cantar, ou os três juntos... Flamenco é sentir, é expressão, é forma de viver.

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